Tinha uns 7 anos , mais ou menos. Naquela época idade não se levava muito em conta, e , se conseguisse levantar da cama sozinho , e não mamasse mais , já podia ter uma enxada, ou um facão para ajudar a mãe abrir uma picada.
Minha roupa era um calção com botões na cintura , que abotoava na blusa formando um macacão, dificultava muito nas horas das necessidades, e vivia sempre borrado ou respingado ; isso me dava nos nervos, que aliás eu sempre estava nervoso, pois a fome não dava sossego.
Minha mãe fazia uns pães bem grande, picava em pedaços bem pequenos, e colocava num caldeirão também grande, jogava água doce por cima até ficar uma papa; esse era nosso almoço e café da tarde, a janta ela pensava depois...
Meus irmãos menores , 4 , 3 e 2 anos, ficavam embaixo de um pé de cebolão , com o domínio da comida. Dada a fome , iam no caldeirão e comiam o quanto queriam com as mãos, que sempre deixava algo lá dentro, um pedaço de mato , uma porção de terra, mas tudo virava comida mesmo, então não tinha importância, servia para aumentar na quantidade.
Eu e mamãe estávamos preparando uma roça de milho, capinando o terreno para jogar a semente quando chovesse. Eu era ágil, e muito forte, meus olhos sempre atento a tudo que se movesse no meio do mato. Quadrúpede, bípede, voasse ou se arrastasse, se conseguisse pegar, ia tudo pra panela.
A mãe falava que perigoso era a cobra cascavel, então ela colocava as crianças num lugar mais limpo , pois acreditava que as cobras gostavam de ficar embaixo das coivaras, montões de lenha apodrecidos por conta dos desmatamentos da região. Aranhas ,escorpiões abelhas,isso não tinha importância,pois se houvesse alguma picadura, ela tinha um remédio poderoso....urina com fumo...curava até dor de dente.
Com o tempo, perdi o medo da cobra. A procura por algum bicho que pudéssemos comer, me fez encontrar com muitas delas, sabia o ninho de várias, e um dia ouvi uns homens comentando que carne de cobra era igual carne de peixe, sabendo disso....quase que levamos a espécie em extinção naquele lugar.
A vida era simples assim... , o maior problema era como ,o que e quando iríamos comer a próxima refeição , não havia motivação para outros pensamentos , o estômago era nossa maior e única motivação da vida. Plantar , caçar, tomar banho no rio era nossa brincadeira. Sobreviver era a preparação que eu tinha para ser um homem.
Num desses aprendizados de sobrevivência , aprendi fazer arapuca para pegar passarinho, pegava uns galhos de lenha , amarrava com arame que tinha na cerca da horta da vizinha , comemos muitos pássaros pego com elas, mas a cerca veio abaixo , pois em pouco tempo, tinha usado todo arame dela, apanhei muito ... ,tive de mudar a modalidade de predação.
Na minha vida a necessidade sempre veio muito antes de ter o necessário ...
O planejar era coisa pra rico, e sempre foi assim .
Comecei sonhar muito cedo, meus sonhos nunca, nem de longe eram possíveis, e isto foi uma constante, até os dias de hoje... Mas continuo fabricando-os
Desde meus 7 anos entendi que para comer , tinha que tomar da vida o alimento, à custa de muito trabalho, astúcia ,e disposição.
Mas ela foi boa comigo quando parei de apanhar, virei homem, cresci ,daí ninguém podia mais me bater. Aliás até hoje não entendo porque apanhava...era um menino bonzinho....fazia tudo certinho.
Hoje tudo ficou engraçado , as lembranças me faz rir, sobrevivi, ...ainda sonho!